Memórias


Às vezes temos as nossas memórias arrumadas e catalogadas, quase que esquecidas, e qualquer coisa as faz voltar à vida. Hoje, tive um desses momentos, em que em frações de segundo, todo um universo de recordações emergiu do fundo do oceano. Não que as desprezasse, pelo contrário, se calhar era mesmo um mecanismo de defesa. Estavam arrumadas e catalogadas. Na lombada da capa podia ler-se " avós- Samel". Hoje, após muito tempo de ausência voltei a casa dos meus avós, e num flash, logo que cheguei fiquei mergulhada em recordações. Nem sei mesmo se já lá tinha ido depois da morte do meu avô... O motivo era festivo e em ambiente de festa recordei...
Os almoços com os meus avós, a comida feita em panela de ferro à lareira, as minhas encenações na eira  em que transformava a eira em palco em menos de dois segundos, os vasos da minha avó pendurados por todo o lado, a minha primeira bicicleta, a roupa nova que usava sempre na Páscoa, as voltas de bicicleta até ao moinho de água e até aos pinhais a volta do campo de futebol, onde simulávamos piqueniques, enfim, memórias...

Os meus avós... a minha meiga e hipocondríaca avó e o meu frenético e brincalhão avô. 
Veio me à cabeça a matança do porco em que ouvia assustada, no quarto, os grunhidos do animal preso ao carro de bois. Não me deixavam assistir, via apenas depois o animal, já pendurado de focinho para baixo, desditoso na sua sorte. Rapidamente seria transformado em chouriços e outros produtos alimentícios. 
As cadeiras brancas em ferro, brancas em cima do pavimento em linóleo, numa pequena área de esplanada onde nos últimos tempos nos sentávamos a conversar com os dois velhinhos. 
Foi como viajar no tempo, talvez pelo facto de eles já cá não estarem. Um regresso ao passado. 
Naquele espaço sentia- se a sua presença. Estariam certamente satisfeitos por estarmos todos ali reunidos outra vez. 
São lapsos de tempo que afinal não se apagaram nem vão apagar nunca. Mesmo arrumados  e catalogados, vão certamente sempre vir à tona para deixar saudade. Mas é bom ter saudade, palavra sem  tradução, que diz tudo, que só tem quem gosta.
Gosto de casas. Diria que à boa maneira de Garcia Marquez e Isabel Allende os espaços continuam habitados de espíritos, as paredes contam segredos, as árvores murmuram cantigas antigas. 
Como num diário, agora é a vez do meu pai lavrar aquela terra, continuar com uma herança que está longe de ser só material!



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