Viagem... Circo de Gredos

Parti... com o coração cheio de expectativa, para um sítio onde nunca tinha ido. A companhia de viagem não podia ser melhor, foi com entusiasmo genuíno que iniciámos a nossa aventura. Os quatro,  de mochila às costas, carregámos roupa, comida e medos, encosta acima. Com o sol como companhia, seguimos pelos 7 km que nos separavam do refúgio. Devagar, á medida que subíamos, o peso da mochila perdeu-se no fascínio da paisagem. Fez-me pensar que na vida assim também deveria ser. Que o fascínio pelas coisas boas nos fizesse esquecer as dores e o peso que transportamos.

A neve, pequenas manchas aqui e ali no início, dominava a paisagem nas terras mais altas. A alvura do manto, no silencio do chilrear dos pássaros ... como uma dádiva de algo ou alguém que nos transcende, sensação de pequenez perante a imensidão. Coração cheio!


Com o refúgio na mira, camuflado na paisagem cinza e branco, contornámos obstáculos, subimos e descemos ao ritmo cadenciado pela neve que nos atrasava os passos. Com vagar chegámos, junto de uma lagoa semi-gelada, ao nosso refúgio. 


 Aí entre portugueses e espanhóis, descalçámos as botas e numa irmandade de amantes da montanha e de croques cor de rosa, partilhámos a refeição. 




Sinto-me amedrontada quando chego a estes sítios, remotos, totalmente desconhecidos, onde a natureza domina, autoritária, sem piedade, mas meiga e generosa em tudo o que nos dá. Sinto-me pequena e frágil, numa angústia que com o tempo vou dominando. É algo que ainda tenho que aperfeiçoar, o conseguir confiar, fora da minha zona de conforto, o sentir que tudo vai correr bem, e deixar fluir, sem medos, usufruir do momento. Partilhar o quarto com desconhecidos, no sopé de uma montanha cheia de neve, num pequeno refúgio que parecia frágil perante a imensidão do que o rodeava. O confiar no outro que dorme a teu lado sem que o conheças. Confiar...
Dormi...
O dia seguinte contrariou todas as previsões de mau tempo e o sol foi mais uma vez nosso companheiro. Partimos à aventura, de crampons nos pés, coisa estranha para nós, como se tivéssemos um animal feroz de dentes aguçados agarrados às botas. 






Avançámos pela neve, calmamente, sem relógio, sem pressas. Subimos o que nos parecia impossível subir, sentimo-nos exploradores no Everest... Chegámos a um cume sobranceiro a paisagens sem fim. Deslumbramento... perante beleza tamanha. 
De regresso, mais uma pequena maravilha, uma cascata, fruto do degelo, água límpida, fresca, pura, o gorgolejar da água a cair. Sentir que o mundo pode ser maravilhoso!



De volta ao refúgio, agora apenas com área de emergência aberta, sem água, luz, casa de banho, apenas um abrigo onde poder dormir. Mas em excelente companhia, boa conversa e comida quente. Porque a amizade afirma-se na partilha de experiências.





O terceiro dia amanheceu sombrio e ameaçar chover. O caminho de regresso, à nossa espera, mostrou-se diferente apesar de ser o mesmo, com novos obstáculos, com zonas intransitáveis, blocos de gelo, a neve mais frágil (depois do dia anterior cheio de sol) que se afundava debaixo dos  nossos pés, deixando-nos sem chão, vezes sem conta. Como que a testar a nossa perícia depois de dois dias na montanha.







Animava-me já o regresso porque apesar da maravilhosa experiência, uma mãe sem os filhos sente-se sempre incompleta e as minhas cá me esperavam. Não foi só mais uma viagem, foi uma possibilidade de crescimento, de perceber as fraquezas e aceitar os desafios. De ultrapassar alguns medos. De perceber que há muito mundo lá fora à nossa espera. Grandioso, magnifico e cheio de ensinamentos. Que sair da zona de conforto, acrescenta-nos e torna-nos mais fortes. Que cada um de nós é responsável pelo caminho que escolhe.

Boa noite e boas viagens!

Nota: algumas fotos, devidamente assinaladas, pertencem ao Olhar de Lince que gentilmente partilhou comigo as fotos e a experiência desta viagem. Um bem haja a todos os meus companheiros de viagem, pela alegria com que viveram esta aventura!






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